domingo, 13 de março de 2011


Martha Medeiros - Lembranças mal lembradas

A maioria dos nossos tormentos não vem de fora, estão alojados na nossa mente, cravados na nossa memória. Nossa sanidade (ou insanidade) se deve basicamente à maneira como nossas lembranças são assimiladas. “As pessoas procuram tratamento psicanalítico porque o modo como estão lembrando não as libera para esquecer.” Frase do psicanalista Adam Philips, publicado no livro O flerte.

Como é que não pensamos nisso antes? O que nos impede de ir em frente é uma lembrança mal lembrada que nos acorrenta ao passado, estanca o tempo, não permite avanço. A gente implora a Deus para que nos ajude a esquecer um amor, uma experiência ruim, uma frase que nos feriu, quando na verdade não é esquecer que precisamos: é lembrar corretamente. Aí, sim: lembrando como se deve, a ânsia por esquecimento poderá até ser dispensada, não precisaremos esquecer de mais nada. E, não precisando, vai ver até esqueceremos.

Ah, se tudo fosse assim tão simples. De qualquer maneira, já é um alento entender as razoes que nos deixam tão obcecados, tristes, inquietos. São as tais lembranças mal lembradas.

Você fez cinco anos, sonhava em ganhar a primeira bicicleta, seu pai foi viajar e esquecer. Uma amiga íntima, que conhecia todos os seus segredos, roubou seu namorado. Sua mãe é fria, distante, e percebe-se que ela prefere disparado sua irmã mais nova. E aquele amor? Quanta mágoa, quanta decepção, quanto tempo investido à toa, e você não esquece – passaram-se anos e você, droga, não esquece.

Essas situações viram lembranças, e essas lembranças vão se infiltrando e ganhando forma, força e tamanho, e daqui a pouco nem sabemos mais se elas seguem condizentes com o fato ocorrido ou se evoluíram para algo completamente alheio à realidade. Nossa percepção nunca é 100% confiável.

O menino de cinco anos superdimensionou uma ausência que foi emergencial, não proposital.

Você nem gostava tanto assim daquele namorado que sua amiga surrupiou (aliás, eles estão casados até hoje, não foi um capricho dela).

Sua mãe tratava as filhas de modo diferenciado porque cada filho é de um modo, cada um exige uma demanda de carinho e atenção diferente, o dia que você tiver filhos vai entender que isso não é desamor.

E aquele cara perturba seu sono até hoje porque você segue idealizando o sujeito, se recusa a acreditar que o amor vem e passa. Tudo parecia tão perfeito, ele era o tal príncipe do cavalo branco sem tirar nem pôr. Ajuste o foco: o coitado foi apenas o ser humano que cruzou a sua vida quando você estava num momento de carência extrema. Libere-o dessa fatura.

São exemplos simplistas e inventados, não sou do ramo. Mas Adam Phillips é, e me parece que ele tem razão. Nossas lembranças do passado precisam de eixo, correção de rota, dimensão exata, avaliação fria – pena que nada disso seja fácil. Costumamos lembrar com fúria, saudade, vergonha, lembramos do gosto pelo épico e pelo exagero. Sorte de quem lembra direito.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011


Martha Medeiros - Muito carinho

“Tenho muito carinho por ti”.

Como é que é? Ela leu o cartão de novo, desde o início: “Fique bem. Tenho muito carinho por ti. A gente se vê. Beijo.”

Carinho? Depois de três anos de namoro, depois de 19 finais de semana na praia, depois de algumas dezenas de jantares românticos, depois de ter dado a ele um notebook de Natal, depois de tê-lo apresentado à família, depois de ter perdoado aquele torpedo de uma tal de Samanta, depois de ter tosado o cabelo só porque ele adorava sua nuca, depois de ter esperado ele sair de todos os seus plantões, depois de ter feito uma tatuagem a pedido dele, depois de sonharem juntos com uma viagem a Europa, depois de terem colocado um anel de compromisso, depois de todos os “eu te amo” que nunca foram economizados, ele vem agora dizer que sente muito carinho por ela? Pois que embrulhe esse carinho e mande por Sedex para sua tia do Espírito Santo. Que coloque todo esse carinho numa vasilha e deixe no quintal para matar a fome daquele seu cão sarnento. Que mande esse carinho para os desabrigados do Haiti, que ponha esse carinho numa mala e despache para onde houver uma guerra civil. Quem precisa do carinho desse traste? E então ela triturou o cartão até virar farelo de papel e jogou tudo pra cima. E eles caíram sobre sua própria cabeça, ficou parecendo caspa, uma cena deprimente que nem sei.

Tudo porque mulher é assim mesmo, não quer saber de nenhum tipo de consolação. Ai de quem lhe oferece carinho depois de já ter se declarado apaixonado. Fale em carinho para sua ex e cometa o pior dos insultos. Se não sente mais amor por ela, então sinta raiva, ódio, asco, deseje matá-la, esganá-la, qualquer coisa que a faça sentir o gostinho de ainda perturbá-lo, de ainda lhe dar trabalho, só não venha com essa conversa de samaritano. Se não sente mais paixão, então suma e dê a ela o benefício da dúvida: será que ele sente saudade, será que ele ainda pensa em mim?

Dizer que sente carinho é colocar uma pá de cal no passado, é como dizer que ela hoje tem a mesma importância que o hamster da vizinha, que lembra tanto dela quanto lembra de um moleque que estagiou no escritório oito anos atrás, que o carinho que sente por ela é mais ou menos como o carinho que sente por um blusão que ganhou no seu aniversário de 16 anos. Seja homem.

Torça para que ela se mude para o interior do Alasca, que engorde e não entre mais em nenhuma calça jeans, que ninguém a procure no Facebook nem a siga no Twitter, mas não venha dizer que sente muito carinho depois de todos aqueles amassos e juras de amor. Não seja tão cruel sendo assim tão bom moço.

Trecho do livro Divã - Martha Medeiros

"Eu sei que falei em prazer gratuito semanas atrás, e sei o que vc pensa a respeito: nada é gratuito. Mas, por enquanto não consigo contrariar essa forte impressão de que a conta não virá.Se eu sinto alguma culpa, não é pelo o que faço às escondidas,não é culpa por estar me dedicando a uma experiência socialmente reprovável : é culpa por não sentir culpa alguma.Por estar achando tudo condizente com meu grau de exigênciaem relação ao aproveitamento do meu tempo, condizente com a minha fome, que nunca foi de comida, mas de vivência. A pergunta que mais faço é: pq não? Desde pequena, desde que tomei gosto pelo ato de respirar e me senti atraída pelos dias que estavam por vir, horas repletas de novidade, desde que eu despertei para a leitura e que passei a sentir o sabor das coisas de uma forma muito entusiasmada, desde que eu soube que podia pensar e que o pensamento era livre, que dentro do meu pensamento ninguém poderia me achar, desde que meus seios cresceram e eu descobri que pessoas tinham cheiro, desde lá até aqui eu me pergunto: pq não me oferecer para aquilo que não fui preparada? Eu tenho as armas de que necessito para me defender, e mesmo que eu perca, eu ganho, já perdi algumas vezes e sei como funciona a lei das compensações. Quero acolher com generosidade o que em mim se manifesta de forma incorreta. Não vou pedir permissão aos outros para desenvolver a mim mesma, mando no meu corpo e em tudo o que ele confina, coração incluído, consciência incluída. Talvez eu esteja com receio de ter ido longe demais desta vez e esteja preparando a minha defesa, caso alguma coisa não saia como esperado. O que eu espero? Não espero nada, espero tudo,estou à deriva nessa aventura. Eu queria cristalizar esse momento da minha vida, mas estou em alta velocidade, e não sei se quero ir adiante, só que eu não tenho opção. Acho que é isso. Eu tinha opções, agora não tenho. Não consigo parar esse trem." (Martha Medeiros)

quinta-feira, 4 de novembro de 2010


Dos ficantes aos namoridos

Se você é deste século, já sabe que há duas tribos que definem o que é um relacionamento moderno.

Uma é a tribo dos ficantes. O ficante é o cara que te namora por duas horas numa festa, se não tiver se inscrito no campeonato “Quem pega mais numa única noite”, quando então ele será seu ficante por bem menos tempo — dois minutos — e irá à procura de outra para bater o próprio recorde. É natural que garotos e garotas queiram conhecer pessoas, ter uma história, um romance, uma ficada, duas ficadas, três ficadas, quatro ficadas... Esquece, não acho natural coisa nenhuma. Considero um desperdício de energia.

Pegar sete caras. Pegar nove “mina”. A gente está falando de quê, de catadores de lixo? Pegar, pega-se uma caneta, um táxi, uma gripe. Não pessoas. Pegue-e-leve, pegue-e-largue, pegueeuse, pegue-e-chute, pegue-e-conte-para-os-amigos.

Pegar, cá pra nós, é um verbo meio cafajeste. Em vez de pegar, poderíamos adotar algum outro verbo menos frio. Porque, quando duas bocas se unem, nada é assim tão frio, na maioria das vezes esse “não estou nem aí” é jogo de cena. Vão todos para a balada fingindo que deixaram o coração em casa, mas deixaram nada. Deixaram a personalidade em casa, isso sim.

No entanto, quem pode contra o avanço (???) dos costumes e contra a vulgarização do vocabulário? Falando nisso, a segunda tribo a que me referia é a dos namoridos, a palavra mais medonha que já inventaram. Trata-se de um homem híbrido, transgênico.

Em tese, ele vale mais do que um namorado e menos que um marido. Assim que a relação começa, juntam-se os trapos e parte-se para um casamento informal, sem papel passado, sem compromisso de estabilidade, sem planos de uma velhice compartilhada — namoridos não foram escolhidos para serem parceiros de artrite, reumatismo e pressão alta, era só o que faltava.

Pois então. A idéia é boa e prática. Só que o índice de príncipes e princesas virando sapo é alta, não se evita o tédio conjugal (comum a qualquer tipo de acasalamento sob o mesmo teto) e pula-se uma etapa quentíssima, a melhor que há.

Trata-se do namoro, alguns já ouviram falar. É quando cada um mora na sua casa e tem rotinas distintas e poucos horários para se encontrar, e esse pouco ganha a importância de uma celebração.

Namoro é quando não se tem certeza absoluta de nada, a cada dia um segredo é revelado, brotam informações novas de onde menos se espera. De manhã, um silêncio inquietante. À tarde, um mal-entendido. À noite, um torpedo reconciliador e uma declaração de amor.

Namoro é teste, é amostra, é ensaio, e por isso a dedicação é intensa, a sedução é ininterrupta, os minutos são contados, os meses são comemorados, a vontade de surpreender não cessa — e é a única relação que dá o devido espaço para a saudade, que é fermento e afrodisíaco. Depois de passar os dias se vendo só de vez em quando, viajar para um fim de semana juntos vira o céu na Terra: nunca uma sexta-feira nasce tão aguardada, nunca uma segunda-feira é enfrentada com tanta leveza.

Namoro é como o disco “Sgt. Peppers”, dos Beatles: parece antigo e, no entanto, não há nada mais novo e revolucionário. O poeta Carlos Drummond de Andrade também é de outro tempo e é para sempre. É ele quem encerra esta crônica, dando-nos uma ordem para a vida: “Cumpra sua obrigação de namorar, sob pena de viver apenas na aparência. De ser o seu cadáver itinerante".

Martha Medeiros

sábado, 30 de outubro de 2010


Eu nunca mais o tinha visto. É engraçado como nossas lembranças costumam ser generosas com os nossos lembrados....
E, no entanto, ele é um homem cheio de significados. Só que, ao se materializar na minha frente, virou apenas um estranho,
nada mais que isso. Ele comentou alguma coisa sobre estar.... mas eu nem ouvi direito o que ele disse, fiquei olhando pra,
sua boca e pensando: eu beijei tantas vezes esses lábios, eu fiquei nua tantas vezes entre esses braços, trocamos carícias
eróticas e, passado um tempo, puf: viramos duas pessoas profundamente constrangidas, até mesmo beijar a face um do outro
pareceu um gesto forçado....e nunca havia pensado nisso, em como é incômodo estar diante de uma pessoa com quem se trocou emoção intensa e depois cruzar com ele na rua e dizer apenas: tudo bem?"

Divã - MM

Se não era amor, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não se sabe se vai ser antes ou depois de se chocar contra o solo. Eu bati a 200 km por hora e estou voltando á pé pra casa, avariada.
Eu sei,não precisa me dizer outra vez. Era uma diversão, uma paixonite, um jogo entre adultos. Telvez este seja o ponto. Talvez eu Não seja adulta o suficiente para brincar tão longe do meu patio, do meu quarto, das minhas bonecas. Onde é que eu estava com a cabeça, de acreditar em contos de fada, de achar que a gente muda o que sente, e que bastaria apertar um botão que as luzes apagariam e eu voltaria a minha vida satisfatória,sem seqüelas, sem registro de ocorrência? Eu não amei aquele cara. Eu tenho certeza que não. Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada.
Não era amor,era uma sorte. Não era amor, era uma travessura. Não era amor, eram dois travesseiros. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor, era de tarde. Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem medo. NÃO ERA AMOR, ERA MELHOR"

"O tempo nem sempre cura tudo. Tenho feridas que já cicatrizaram, mas que insistem em latejar quando o dia está nublado. Tenho mágoas que já foram superadas, mas se lembro bem, se lembro forte, se penso nelas eu choro. E o choro dói, dói, dói como se fosse ontem. Tenho vontades que nunca passam. Tenho uma tara por chocolate e queijo que nunca saiu de viagem. Tenho mania de escrever em blocos e ter pelo menos dois deles sempre dentro da bolsa. Tenho sentimento de posse, tenho ciúme, tenho medo de perder quem é essencial na minha vida. Tenho medo de me perder, por isso acendo todas as luzes." clarissacorrêa!